Sexo na terceira idade: quando a sexualidade do idoso é assédio para o cuidador

O sexo na terceira idade (sexualidade do idoso), sob a ótica do indivíduo com demência, deve ser encarado com naturalidade, mas sempre respeitando os limites da razoabilidade e do respeito mútuo entre cuidadores e familiares.

Conheça relatos que evidenciam que isto nem sempre é respeitado, e saiba como agir em casos de assédio.

Leia também:

Síndrome da Fragilidade em idosos: o que é e o que cuidadores e familiares precisam saber

Você sabe o que é hipertensão sistólica isolada no idoso?

Felicidade e liberdade para idosos e seus cuidadores

Quando o idoso não deve morar sozinho?

Todos os casos a seguir são histórias reais.

Sexualidade do idoso com demência

De segunda à sexta-feira, Madalena (45 anos, nome fictício) se apresentava para cuidar do senhor José (90 anos, nome fictício) em horário comercial.

José estranhou a presença da nova cuidadora no início, por vezes de forma agressiva, reação tão típica aos quadros demenciais. Tão logo a presença da cuidadora se tornou conhecida, porém, algo imprevisto aconteceu: José começou a se masturbar diariamente na sala de casa na frente de Madalena, chegando a pedir ajuda para o ato, após o qual ejaculava no sofá.

A experiente cuidadora, com profissionalismo, relatou o ocorrido para a esposa (também idosa) e para a filha do assistido, que residiam no mesmo local, e foi aí que algo incomum se deu: nenhuma das duas achou a situação estranha, digna de se tomar uma atitude. Ambas simplesmente pediram que a cuidadora limpasse o sofá, dizendo que aquilo fazia parte do quadro da doença do assistido.

Sem providências, a situação piorou e José começou a falar obscenidades para a cuidadora. Estranhamente, a família desconversava e chegava a acusar a profissional (sem provas) de se insinuar para o assistido.

A solução foi dada semanas mais tarde, quando após muita insistência, enfim reportou-se o caso ao geriatra. A sexualidade do idoso foi controlada com a prescrição de medicamentos, e com a orientação de que a família procurasse um cuidador do sexo masculino.

A história pode parecer absurda, mas é estranhamente comum (e abafada) em lares onde idosos com demência precisam ser assistidos por cuidadoras, especialmente cuidadoras mulheres.

Sexo do idoso

Em outra residência, Maria (38 anos, nome fictício) e Carmen (41 anos, nome fictício) cuidavam de Agnaldo (83 anos, nome fictício) em escala 12×36 diurna, ou seja, revezando-se dia sim, dia não. Quase todos as dias o idoso pedia para as cuidadoras assistirem a filmes pornográficos com ele; na negativa, ele colocava os filmes na TV por sua conta e ficava se insinuando, tentando passar a mão nas profissionais, falando palavras de baixo calão.

Reportado o caso ao filho que morava com o idoso, mas que não estava presente durante o dia para testemunhar o ocorrido, o filho simplesmente desacreditava os relatos das cuidadoras e dizia que o pai não tinha condições físicas de molestar ninguém. Apenas a instalação de câmeras na residência, e a consequente constatação dos fatos, o fez tomar uma atitude.

Relações sexuais na terceira idade

Os casos chamam a atenção para situações que se repetem, alarmantemente, de diversas formas em residências com idosos dependentes pelo Brasil. Exemplifico outras relacionadas ao sexo na terceira idade (sexualidade do idoso), que já ouvimos ou vivenciamos no dia-a-dia do cuidado na Acvida Cuidadores:

  • Idoso queria que a cuidadora dormisse com ele, e chegava a oferecer dinheiro pedindo que ela não comentasse com os familiares;
  • Idoso se queixava de dor na perna, próxima à virilha, e pedia para a cuidadora fazer uma “massagem insinuante” para melhorar;
  • Idoso que tomava banho de sol em frente à sua casa diariamente; um dia, quando cumprimentado pela cuidadora que chegava para assumir o plantão, mostrou os órgãos genitais e fez-lhe piadas ofensivas;
  • Idoso que tenta pegar (dar um tapa) na região genital ou nas nádegas da cuidadora;
  • Idoso afirmava que não conseguia fazer sexo na terceira idade, mas passava o dia contando histórias picantes para a cuidadora, que desconversava;
  • Idoso que, durante o banho, pedia à cuidadora para limpar sua glande repetidamente em movimentos típicos de masturbação, enquanto não escondia o quanto aquilo o satisfazia;
  • Idoso que, numa padaria, passou a mão nos seios de uma mulher; o esposo da agredida partiu para cima do idoso e só se deteve porque a cuidadora acompanhante estava devidamente uniformizada, e teve chance de explicar a condição demencial de seu paciente;
  • Quando a cuidadora saía, ao final do dia, o idoso chamava garotas de programas e passava as noites em esbórnia e bebidas; a cuidadora retornava no dia seguinte, e o idoso a ameaçava com a perda do emprego para que não contasse aos filhos.

Medo do sexo na terceira idade

Enquanto o medo, o desconforto e a insegurança com relação à sexualidade do idoso é a realidade de muitas pessoas mais velhas, particularmente quando quadros de ansiedade e depressão estão presentes, para outros, a libido exacerbada, seja como consequência das síndromes demenciais, seja alegando estas, geram situações para além do aceitável junto a familiares e cuidadores.

Vamos observar o problema sob mais de uma ótica.

Libido exacerbada

Para a maioria dos geriatras, a condição, enquanto gera constrangimentos à familiares e cuidadores, deve ser tratada com medicamentos. Infelizmente, por desconhecimento das consequências legais, ou preconceitos, muitas famílias entendem as prescrições como uma invasão à privacidade ou mesmo assédio ao idoso.

Assédio ao idoso

Muitos familiares consideram o tratamento à libido exacerbada (sexo na terceira idade como manifestado nos casos citados) um verdadeiro assédio a pessoas idosas incapazes de decidir por si. Isso porque muitos medicamentos podem deixar os idosos mais prostrados (dependentes de assistência) em suas atividades de vida diária.

Sob o argumento distorcido de que a independência deve ser estimulada, o que inclui a sexualidade do idoso, preferem expor os cuidadores a riscos, ou simplesmente fechar os olhos à verdade de que o bem-estar do idoso dependente está inseparavelmente ligado ao bem-estar do cuidador que o acompanha.

Ninguém vai cuidar de outrem (outra pessoa) se, primeiro, não cuidar de si mesmo.

Sobre isto, vale uma reflexão: no caso de um idoso internado num hospital, vivendo numa ILPI (lar de idosos), ou em qualquer outra instituição fora de sua própria residência, a equipe de saúde não hesitaria em controlar a situação em nome da segurança do próprio idoso e dos demais, além da boa convivência social, seja com contenções físicas, seja com tratamentos medicamentosos.

Pense bem: uma pessoa com comportamento social inadequado, independente do motivo e origem de suas condições psicológicas e psiquiátricas, deve ser livre para constranger, violentar, assediar ou tolher a liberdade dos demais?

Sexualidade do idoso X Assédio ao cuidador

Do ponto de vista legal, há alguns pontos a serem observados. Enquanto o idoso demente não pode ser legalmente responsabilizado por seus atos, os familiares podem.

O sexo na terceira idade e outras situações de foro íntimo do idoso não podem gerar constrangimentos, riscos, ou mesmo assédio moral aos cuidadores, especialmente após levadas a conhecimento da família.

Apenas para citar alguns pontos relevantes: na esfera trabalhista, é obrigação do empregador oferecer um ambiente de trabalho salutar, que permita ao trabalhador desenvolver suas atividades com segurança e sendo respeitado. Casos relacionados à sexualidade do idoso (sexo na terceira idade) podem acontecer no trato com idosos dependentes, e faz parte das atribuições do cuidador lidar com estes.

Mas daí a achar que o cuidador deve absorver tudo para si, aceitando passivamente a situação enquanto a família negligencia seu papel, está errado e pode ter consequências. Quando a sexualidade do idoso deixa de ser uma questão de foro íntimo, seja em um idoso lúcido ou demenciado, é que se tem um problema.

Negligência

O significado da palavra negligência, com sentido de descuido ou indiferença, é, segundo o dicionário online Dicio, “Falta de cuidado, de aplicação, de interesse; desleixo, descuido. Falta de atenção; displicência, desleixo, Ausência de motivação, de disposição, de interesse e de vigor; indolência“.

Tais situações podem ser enquadradas como crimes segundo o código civil, e este é mais um motivo para os responsáveis pelo idoso não se absterem de agir.

REFORÇAMOS: ao perceber que o sexo na terceira idade extrapolou o âmbito íntimo do idoso e adentrou a intimidade do profissional cuidador, é dever dos responsáveis tomar uma atitude sob pena de responsabilização civil e até criminal.


E você, já passou por alguma situação constrangedora no trato com idosos dependentes relativa à sexualidade do idoso e/ou ao sexo na terceira idade? Deixe seus comentários abaixo.

Mais: não deixe de conhecer o trabalho da ABECI (Associação Brasileira dos Empregadores de Cuidadores de Idosos).