Cérebro do idoso

Conhecer um pouco sobre o cérebro do idoso é fundamental para conviver com os horizontes da Doença de Alzheimer e outras síndromes demenciais.

Neste artigo, à convite do Blogdocuidado, a escritora Maria Inês Cavendish (autora do livro “E…Se eu tiver Alzheimer”) fala sobre alternativas para manter a saúde do cérebro.

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Estimular o cérebro do idoso

Neste momento, entendo que é importante falar sobre as vivências paralelas relacionadas ao assunto e ressaltar que quando comecei a fazer anotações sobre essa fase da vida, o primeiro entendimento que me capturou e convenceu (sem grande esforço) foi a necessidade de estimular o cérebro do idoso continuamente.

Pode parecer presunçoso de minha parte o que vou enumerar a seguir, mas é o que tem feito sentido para mim e o que tem me ajudado significativamente:

Exercícios para o cérebro do idoso

  1. Descondicionar o cérebro, a mente, sempre. Ressignificar (dar novo significado) aos medos e aos momentos desagradáveis do passado, e fazer isso conscientemente;
  2. Recondicionar o cérebro com novidades e voltar a descondicioná-lo (sim, novamente), sempre que puder. As novidades no pensar, no raciocinar e no realizar nos fazem acessar novas áreas do cérebro, acostumado à rotina dos pensamentos e das ações. Isso nos tira do piloto automático;
  3. Estar, de fato, sempre aberto ao novo. Isso não é fácil, e ainda não consegui fazer desse exercício um estilo de vida, mas estou em andamento e noto alguns resultados;
  4. Entender verdadeiramente e aprender a lidar com a relatividade das circunstâncias, com a transitoriedade dos fatos, do ter e do ser. Aceitar a impermanência como lei natural da vida e fazer desse entendimento um bálsamo, um alento para o sofrimento (não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe) é uma conduta sábia;
  5. Prestar muita atenção ao seu presente (minuto a minuto) e entender sua realidade sem fantasias e artimanhas emocionais, sem a bruma da ignorância de si mesmo também é uma conduta sábia.

Embora não pareça, essas condutas conscientes são muito difíceis de serem concretizadas e incorporadas ao nosso modo de vida.

Requerem atenção plena e prática contínua. Começam no nível da razão, da vontade, do entendimento, passam inevitavelmente pelo extraordinário e sutil campo das emoções até conseguirmos elevar o conhecimento à aceitação e ao trato do real e, por fim, à prática constante e consciente.

DICA ACVIDA CUIDADORES: o canal da escola internacional de filosofia Nova Acrópole tem dicas de práticas, exercícios e vivências que podem ajudar o leitor a seguir as dicas da escritora Inês, confira aqui.

Cito a seguir um texto que muito me impressionou pela forma nua e crua com que representa nossas fugas e vendas auto impostas e inconscientes. Sensibilizou-me de imediato e vem me auxiliando a entender a importância da observação de nós mesmos e do presente.

Resistência à mudanças

AUTOBIOGRAFIA EM CINCO CAPÍTULOS Portia Nelson

  1. Ando pela rua, há um buraco fundo na calçada… Caio, estou perdido… sem esperança… Não é culpa minha… Levo uma eternidade para encontrar a saída.
  1. Ando pela mesma rua, há um buraco fundo na calçada… Finjo não vê-lo, caio nele de novo… Não posso acreditar que estou no mesmo lugar… Mas não é culpa minha… Ainda assim levo muito tempo para sair.
  1. Ando pela mesma rua, há um buraco fundo na calçada… Ainda assim caio… é um hábito!!! Meus olhos se abrem… sei onde estou! É culpa minha! Saio imediatamente.
  1. Ando pela mesma rua, há um buraco fundo na calçada… Dou a volta.
  1. Ando por outra rua.

Costumo dizer que atualmente estou entre as fases 3 e 4, ora em uma, ora em outra, esforçando-me para mudar de rua. Não é muito fácil. Resistências mil, condicionamentos cristalizados, modelos mentais arraigados… Enfim, não é fácil mesmo.

Vou dar um exemplo prático da vida moderna.

Meu computador “surtou” (essa palavra está na moda, antes falávamos “deu pau”). Tive de mandar reformatá-lo, considerando que não está tão velho (tem apenas um ano e meio, dois anos, no máximo), embora não tenha ficado pedra sobre pedra.

Não quero aderir ao consumo de descarte e gosto dele. Quero-o de volta e encarei ficar dias sem meu notebook. Estou comentando esse fato porque resolvi começar a escrever meu primeiro capítulo justamente nessa hora e, portanto, à mão.

Sim, escrevendo manualmente. Coisa rara hoje em dia! A primeira dificuldade notada: já não tenho a mesma agilidade de antes para escrever, nem a mesma coordenação, letra legível. Deus! Que estranho!

Depois dos primeiros parágrafos, comecei a gostar. Aos poucos, a coordenação vai melhorando.

A agilidade talvez demore mais um pouco, mas o engraçado é que de vez em quando volto a olhar uma palavra menos usada e fico, inconscientemente (ou automaticamente), pensando que vai aparecer em vermelho porque esqueci alguma letra ou escrevi errado.

Para alguns que não estão familiarizados com os processadores de texto, esta é uma função de correção ortográfica.

Loucura? Não. C-o-n-d-i-c-i-o-n-a-m-e-n-t-o!

Condicionamento do cérebro

Deve ser um bom exercício para quem não quer ter Alzheimer ou qualquer doença do gênero (penso imediatamente), porque assim, mesmo em proporções muito pequenas, estou forçando mudanças na minha dinâmica cerebral, quebrando algumas poucas e velhas sinapses e criando outras.

Dá um nozinho no começo, mas depois segue progredindo a mudança daquele velho condicionamento. Exemplo simplista, mas verdadeiro.

Acostumada a não me preocupar muito com a grafia porque seria avisada automaticamente de algum erro, fico continuamente me lembrando desse recurso durante algum tempo. Passo a me preocupar mais com a grafia das palavras, releio.

Estou gostando e minha letra começa a ficar um pouco mais firme. Reflito sobre esses fabulosos tempos modernos, nos quais fazem por nós cada vez mais coisas.

Outro dia, usando o WhatsApp, vi a seguinte observação de uma amiga: “Desculpem, não era isso o que queria dizer, mas esse processador de texto tem vontade própria”, querendo referir-se às palavras que queremos digitar e, ao trocarmos alguma letra, o processador interpreta para outra palavra e muda à sua revelia.

Isso é um saco mesmo. Em compensação, como “vc” e todo mundo sabe que é assim que funciona, é melhor deixar desse jeito do que suspender essa função e ele, “de birra”, não corrigir mais nada.

Tempos modernos, condicionamentos lentos e graduais, preguiça mental, falta de estímulo do raciocínio e da memória, certeza de que sua memória está gravada fora de você, garantida em um back up, um HD, um celular.

Será que tudo isso não tem influência sobre nosso cérebro? Uma mensagem cifrada dizendo: “fica frio, já garanti essa memória, esquece, deixa pra lá”.

Podemos entender que as facilidades da tecnologia nos deixam preguiçosos mentalmente, a máquina raciocina, grava e memoriza por nós grande número de informações?

Ok, isso pode estar correto em parte, mas… Aí vem um paradoxo em relação ao padrão de alguns aspectos que dizem respeito ao funcionamento do nosso cérebro, conforme comecei relatando no início.

Minha mãe, por exemplo, não acompanhou esse progresso tecnológico e tem Alzheimer.

Exercícios para o cérebro do idoso

Durante um tempo achei que essa opção de não se atualizar com as novidades da tecnologia havia contribuído ou facilitado o progresso da doença porque ela simplesmente não queria aprender nada, achava complicado, tinha até certo receio de chegar perto de um caixa eletrônica.

Tentei inúmeras vezes ensiná-la para deixá-la com mais autonomia, mas ela simplesmente não queria ter esse “trabalho mental”.

Então, o que há de comum entre essas duas posturas tão opostas? Aderir à tecnologia e relaxar o exercício da memória e do raciocínio ou parar no tempo e não usufruir de nenhum desses benefícios?

Ao meu ver (o que é até meio óbvio), o melhor é escolher o caminho do meio, é estar aberta para acompanhar as mudanças, não ter “preguiça” de aprender e, ao mesmo tempo, não aderir cegamente a todas as facilidades que a tecnologia oferece.

Penso que aprender coisas novas a cada dia é uma forma de estar sempre em atividade mental, ver a vida com olhos infantis, de principiante, ser investigativo, questionador. Sempre querendo entender, participar das mudanças, prestar atenção em si mesmo, em suas ações e reações, em suas resistências, quase sempre inconscientes.

Exercitar a concentração, a atenção no seu dia a dia. Evitar abstrações, fantasias. Perceber que sua mente é mais esperta do que você imagina e tem milhares de artimanhas para lhe “levar no bico”.

Você não é sua mente.

Da sabedoria oriental

Deveria ser próprio da natureza humana, passar a ter, na maturidade, alguns condicionamentos de infância: a fase dos “porquês”, até enlouquecedores, das crianças é algo extremamente positivo.

Algumas tarefas podem colaborar para manter a memória ativa:⠀

  • Leitura diária;
  • Manter a socialização;
  • Jogos de raciocínio, como palavras cruzadas, sudoku, xadrez, dominó, jogos de perguntas e respostas, jogos de cartas e quebra-cabeças;
  • Aprender a falar uma língua ou tocar um instrumento musical;
  • Fazer algum trabalho artístico como pintura, crochê, bordado, etc. Além de trabalhar o aspecto cognitivo, a estimulação cognitiva promove mais autonomia e melhora no humor e contribui para um envelhecimento saudável.

Acalmar a mente ajuda o cérebro a pensar

A iniciação ao estudo da meditação, as leituras que fiz na época (e ainda faço), a observação e a vivência das diversas situações que foram se apresentando me fizeram chegar a algumas conclusões, como, por exemplo, a necessidade de acalmar e observar a mente, de exercitar o cérebro.

Essa prática tem me ensinado a como estar consciente, a ver as situações como realmente são, descontaminadas de julgamentos e conclusões que podem ser pessoais e, portanto, parciais ou tendenciosas.

Mais adiante, falarei um pouco sobre minhas experiências com a meditação, minhas leituras sobre o assunto e as pesquisas que relatam a evolução dos estudos conjuntos sobre a neuroplasticidade, realizados por equipes de neurocientistas e o Dalai Lama.

Plena atenção sempre, minuto a minuto. Enfim, entender o que se passa com você, de fato, sem ilusões, é muito importante.

Fácil? Não. Muito difícil! Eu que o diga. Tento continuamente. Até agora não consegui mudar de rua, quando muito, evitar cair no buraco, como já disse anteriormente, mas já aprendi a contorná-lo, e, quando caio, mesmo assim já aceito que a culpa é minha, sou responsável pelos meus erros.

Treino constante. Alerta constante, mas com bondade e paciência com você mesmo.

Vivemos em um mundo online, onde estamos plugados 24 horas por dia. Um mundo imediatista, não dá para ignorar isso. Muitas demandas, aos milhares por minuto, continuamente, dia após dia. Mensagens múltiplas e simultâneas constantemente.

Faça opções. Filtragens. Seja seletivo. Rebele-se contra essa avalanche de informações que ficam mal processadas e mal digeridas. Medite sobre isso.

Parece que pratico isso completamente? Não, não é verdade. Ainda me rendo a essas demandas inconscientemente e me sinto exausta e ansiosa por não conseguir atender a todas em tempo real.

Entretanto, se comparar minha postura de agora com a de cinco anos atrás, consigo perceber menos ansiedade, mais ponderação e condescendência comigo mesma e com os outros. Chegarei lá!

Para reforçar essas considerações sobre condicionamentos, vou comentar sobre uma recordação que tirei do fundo do baú de minha história familiar: a inspiração que elegi para este relato.

Minha saudosa bisavó “Bem Bem”, como era chamada, e sobre a qual falarei um pouquinho para revelar que também tenho um lado da família longevo e lúcido.

Com ela tive, involuntária e inconscientemente, uma de minhas primeiras experiências com a possibilidade de recondicionamento. Ela morreu aos 96 anos, de bem com a vida e esbanjando sabedoria.

A vovó “Bem Bem” era um docinho de vó, mas também muito enérgica em alguns aspectos.

Exercite o cérebro para evitar o Alzheimer

Lembro-me das visitas que fazíamos à casa dela e do puxão de orelhas que levei um dia porque usava muito o “e” ou o “aí” nas minhas frases.

Ela dizia:

A fala fica feia assim minha filha, temos muitas opções para isso: então, assim, contudo, todavia, e isso é muito mais elegante.

Eu tinha apenas 6, 7 anos Não estava muito preocupada com esse assunto, mas nunca me esqueci de sua lucidez, e toda vez que me flagrava falando “aí” lembrava-me dela. Acabei me recondicionando.

Imaginem hoje em dia, se ela ouvisse nossos filhos falando “tipo assim”, “só”, para não falar outras mais inusitadas. Vale até reler um texto do Luís Fernando Veríssimo sobre esse assunto.

“Tô ficando velho!
Um dia desses, às 2 da manhã, peguei o carro e fui buscar
minha filha adolescente, na saída do show do Charlie Brown Jr.

Ela e as amigas, estavam eufóricas e eu alí, meio dormindo,
meio de pijama, tentei entrar na conversa.

“E aí, o show foi legal?”
A resposta veio de uma mais exaltada, do banco de trás:
“Cara! Tipo assim, f.o.d.a!”
E outra respondeu: “Tipo f.o.d.a mesmo!”

Fiquei “tipo assim” calado o resto do percurso, cumprindo
minha função de motorista.

Pra piorar ainda mais, inventaram o MSN e o ORKUT, essa praga da Internet, onde elas ficam horas escrevendo em código secreto. “Tipo assim””:
“Kct! v tmb nunk tah trank, kra: eh d+,sl.T+ Bjoks”
Em português: “Cacete! Você também nunca está tranquila, cara. É demais, sei lá. Até mais, beijocas.”

Tipo assim: “Tô ficando velho!”

Saiba mais:

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